Sentou na janela e ficou esperando. Esperando a banda passar, a chuva chegar, o amor voltar. Com uma ponta de esperança como uma pequena luz de lamparina quase sem querosene há brilhar no fundo dos olhos, esperava. A banda já não cantava mais coisas de amor, não veio. A chuva era impossível naquele tempo infernalmente seco de agosto, não caiu. O amor havia partido e parecia que ia demorar – ou talvez nunca mais voltasse.
Havia vinte dias que ele tinha fechado a porta pela
última vez. Nesses dias todos, ela cultuava a mesma rotina que tinha quando ele
ainda dividia a cama, agora fria, com ela. Exceto pelo hábito de esperar
inutilmente todas as tardes ao pé da janela da sala.
Todos os vizinhos já haviam notado com certa
estranheza aquela menina esbanjando algo entre a melancolia, o amor doente e a
esperança sentada todas as tardes, no mesmo horário, na janela por horas
infinitas. Até seu gato já havia começado a sentir pena dela.
Acordava de manhã, tomava banho e corria animada
para a cozinha, arrumava a mesa de café pra dois e era então que o coração se
dilacerava numa dor tão profunda e insuportável: era só nesse momento, de já
ter feito duas torradas, café pra dois, que se sentava à mesa com duas belas
canecas e umas florezinhas do campo colhidas no jardim, gritava por ele e
dava-se conta de que ele não estava mais ali.
Tinha sonhos com ele em todas as madrugadas desde
que ele partiu. E esses sonhos eram tão reais, tão quentes, tão bonitos, que
podia sentir a respiração dele na nuca e o peso da sua mão na cintura. A efígie
dele em seus sonhos tomava todo o quarto durante todas as noites e era por isso
que, ao acordar, ela tinha a nítida sensação de que ele ainda estava ali,
demorando-se como sempre no chuveiro.
Saia todas as manhãs para trabalhar com o coração
tão dolorido e os pensamentos tão distantes que era muito comum descer no ponto
errado. No trabalho, afundava-se em café e dedicação extrema, abraçando todos
os problemas da empresa para esquecer-se do seu vazio. E à medida que as horas
corriam no relógio da parede, o coração afrouxava e dava lugar aquela esperança
boba de quem espera algo que, racionalmente, sabe que nunca mais virá.
Mas o amor não é racional. Quem ama, perde-se de si
e de toda a razão do mundo. Cega-se para os nãos, para o fim. Transforma o fim
em uma viagem longa de trem, em alguns meses de trabalho voluntário na África,
numa volta ao mundo em oitenta dias e fica ali, esperando o momento em que o
“fim” vai acabar, o momento em que a pessoa vai voltar a bater na sua porta
contando milhões de novidades, despejando milhões de saudades e tudo vai voltar
a ser como era antes.
Ele havia partido e ela já nem lembrava mais por
que. A última briga tinha se apagado da memória. Completamente. E mesmo assim,
sem lembrar-se de quem era o culpado (afinal, alguém é culpado no amor?),
estava pronta e ensaiava todos os dias os perdões para ele. Tantos perdões que
poderia até se desculpar pela derreta do time dele na final do campeonato. E,
mesmo se não tivesse errado, se ele tivesse partido porque queria, porque o
amor dele tinha acabado, ela ia lhe pedir perdão. Perdão por amar demais.
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